OPINIÃO – Com discriminação, não tem partida

Foto: Matheus Alves
Foto: Matheus Alves

O futebol é o esporte mais popular do nosso país, dos campos de várzea das periferias até as quadras dos condomínios, reunindo amigos e familiares para assistirem aos jogos, seja pela televisão ou nos estádios. A expressiva popularidade não torna o esporte mais acessível, principalmente no que se refere ao acesso aos espaços de competição. 

Nos últimos anos, os casos de violência racial no âmbito esportivo, em especial no futebol, têm apresentado um aumento preocupante. Conforme o Relatório Anual da Discriminação Racial no Futebol de 2021, foram documentados 158 incidentes. É importante ressaltar que esse número provavelmente está subnotificado, visto que o estudo abrange apenas os casos que foram reportados ou ganharam alguma forma de repercussão pública. 

Essa subnotificação, com ausência de dados oficiais, incide na impunidade. Como as ocorrências não são punidas ou reprimidas, muitas vezes elas também não são sequer registradas, prejudicando inclusive que essas ações não ocorram novamente. 

Essas diversas formas de violência, seja racial, de gênero ou relacionadas à população LGBTQIA+, presentes nos estádios e eventos esportivos, afastam as famílias e tornam esses ambientes hostis. A pressão enfrentada pelos atletas, muitas vezes manifestada por meio de agressões sutis, impacta diretamente em seu desempenho e rendimento. 

São frequentes os casos de atletas, como o goleiro Aranha, que, para pôr fim às ofensas, denunciam as violências que sofrem. No entanto, sem uma estrutura que puna não apenas individualmente, mas também de forma coletiva, torcedores e clubes, isso acaba por gerar um contra-discurso para o atleta que denuncia. Muitas vezes, esses atos são considerados como manifestações do calor da partida e acabam sendo minimizados. Coincidentemente ou não, após as denúncias, o goleiro foi aos poucos perdendo oportunidades. 

Portanto, é necessário adotar medidas para que o racismo e a LGBTfobia deixem de ser naturalizados nos estádios. É imprescindível dimensionar a gravidade do problema e enfrentá-lo com seriedade. Entre as medidas, destaca-se a importância dos profissionais de segurança pública atuarem imediatamente para punir casos flagrantes de racismo e LGBTfobia, garantindo que os autores desses crimes respondam criminalmente por suas ações, nos termos da lei.

Nesse contexto, o Governo Federal promoveu iniciativas significativas, como a criação do Grupo Interministerial composto pelos Ministérios dos Esportes, Igualdade Racial e Justiça e Segurança Pública. Este grupo publicou um relatório com sugestões de ações para combater o racismo nos esportes. Algumas dessas ações já estão em processo de implementação, a exemplo do acordo firmado com a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) ao final da Copa do Brasil, intitulado “Com Racismo não tem jogo”. Adicionalmente, o Ministério da Justiça e Segurança Pública, em parceria com a CBF, lançou o Projeto Estádio Seguro, visando ampliar as medidas de segurança nos estádios.

Precisamos de mecanismos de controle desses atos, permitindo a responsabilização dos torcedores que cometem esse crime, bem como a responsabilidade dos clubes como já incluído no Regulamento Geral de Competições (RGC) da CBF que inclui até perda de pontos. As ações precisam ser articuladas e as responsabilidades atribuídas, não somente individualmente, mas no âmbito dos clubes, com a perda de pontos quando necessário, garantindo a seriedade que a pauta racial merece. 

VINI MACHADO
Coordenador-Geral de Promoção de Direitos da População Negra na Secretaria de Acesso à Justiça, no Ministério da Justiça e Segurança Pública. Formado em Geografia pela UnB trabalha com educação e direitos humanos. Líder do Mapa Educação e Coordenador da Politize em Brasília. Fundador da Rede de Cursinhos Populares do Distrito Federal e Entorno. Sou cofundador do Projeto Tem Cor no Ensino.

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EDITORIAS

PERFIL

Rene Silva

Fundou o jornal Voz das Comunidades no Complexo do Alemão aos 11 anos de idade, um dos maiores veículos de comunicação das favelas cariocas. Trabalhou como roteirista em “Malhação Conectados” em 2011, na novela Salve Jorge em 2012, um dos brasileiros importantes no carregamento da tocha olímpica de Londres 2012, e em 2013 foi consultor do programa Esquenta. Palestrou em Harvard em 2013, contando a experiência de usar o twitter como plataforma de comunicação entre a favela e o poder público. Recebeu o Prêmio Mundial da Juventude, na Índia. Recentemente, foi nomeado como 1 dos 100 negros mais influentes do mundo, pelo trabalho desenvolvido no Brasil, Forbes under 30 e carioca do ano 2020. Diretor e captador de recursos da ONG.

 

 

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