Moradores da Alvorada sobrevivem há mais de 10 anos com riscos e violações de direitos básicos

Buracos no chão, esgoto a céu aberto e paredes com rachaduras representam perigos para população no Complexo do Alemão
Problema_Infraestrutura_Foto-Josiane Santana
Foto: Josiane Santana / Voz das Comunidades

Ao chegar na Alvorada, nós da equipe, que faríamos a matéria sobre a Praça do Cruzeiro e arredores, ficamos procurando a tal praça. Descobrimos que ali não é uma praça. É um pequeno espaço, de frente a um bar, com mesas e bancos de concreto, no estilo de quem joga dominó. “Isso é uma praça?”, disse a minha companheira de pauta. Ela confirmou. O conceito de praça é diferente fora da favela e já vi nisso um primeiro problema. A palavra praça, em uma breve pesquisa no Google, tem como objetivo dar às pessoas não apenas um local para o lazer, mas também para qualidade de vida, descanso e uma forma de socializarem. Mas tínhamos problemas mais urgentes para ver na região e seguimos o caminho que deveríamos.

Chegando no beco Santa Luzia, ao lado do depósito do Ziel, já de cara vimos postes antigos, daqueles de madeira de Peroba, quase caídos, segurados por fios que vinham de todas as partes. O zelador Carlos de Paula Souza, de 44 anos, passava pelo local e parou quando viu que a fotógrafa registrava dois postes com problema. “Vocês estão falando sobre o que? Sobre o poste?”, perguntou. Dissemos que sim. 

Ao apontar para um deles, disse “esse poste aqui, ele é antigo, tem mais de vinte anos. A data certa que ele caiu, eu não tenho certeza. Mas já tem mais de dez anos que ele está caído, porque meu filho era pequeno quando aconteceu. Hoje ele tem 13 anos”, afirma Carlos.

Ainda no beco, vimos postes novos colocados, esses com luzes de Led. “Esse aqui, a luz funciona. Eles vieram pra botar o poste novo, como você tá vendo aqui. Mas esses antigos eles nem mexeram, deram nem confiança, porque o objetivo deles foi só botar a fiação nova que tu está vendo. Então para fiação não deram nem confiança” explica o zelador. Ou seja, é uma verdadeira mistura de fios dos postes velhos com o novo, tudo desordenado.

Ele alega que botaram a fiação nova para os moradores pagarem a energia elétrica. Mesmo pagando tarifas sociais, eles reclamam que o “bololô” de fios traz perigo para quem passa pela localidade, além de um dos postes estarem quase caídos na casa de um morador.

O problema é tão antigo que quem passa por lá não percebe somente o problema dos postes, mas também todo o calçamento que é péssimo e pode gerar acidentes; até para os mais jovens. Isso tudo em um pequeno espaço. Em dias de chuva, a água desce como um riacho e deixa o chão escorregadio. 

“Quando chove fraco, ainda dá pra passar batido, mas quando chove forte mesmo, aí começa a “vim” água do chão que tá cheio de buracos e pode escorregar”. Ao apontar para uma pequena vala, ele ainda afirma que ratos saem do buraco. 

Em tom de brincadeira, diz que até os gatos têm medo do tamanho das ratazanas que saem de dentro de um dos buracos “ É cada ratazana… grande… Elas podem até morder, né? Os gatos correm porque as ratazanas são agressivas. Perante Deus, eu tô falando sério. Nem mesmo os ratos tão respeitando mais os gatos. Antes os gatos pegavam eles pelo rabo, hoje eles fogem.” Diz rindo, mas como fala o ditado, “pra não chorar”.

São tantos problemas que não cabem em um cartaz!

A senhora Maria da Penha, de 67 anos, também passou pela região e parou para poder falar. Ela sobe o beco com frequência para poder comprar algo ou jogar o lixo fora. E diz que tem que comprar carnes e cozinhar logo, porque o freezer não funciona. “A geladeira não funciona por causa da luz que cai toda hora. Ainda bem que eu nem ligo a máquina, porque a luz é tão fraca que não funciona”, revela.

Ela também conta que ainda não sabe o que está acontecendo, se é a falta de relógios de luz ou se são os postes. E, para solucionar o problema, ela chama um eletricista para tentar resolver uma questão que nunca é resolvida. “Eu prefiro mil vezes pagar luz do que ficar com essa luz fraca, que queima aparelho, queima tudo”, afirma. Infelizmente, ela tinha um compromisso e não pôde levar a gente à casa onde morava na hora. Mas informou que é na Travessa Santa Luzia, casa 7.

Maria da Penha sempre passa pelo beco e acha o local perigoso (Foto: Josiane Santana / Voz das Comunidades)

Continuamos descendo pelo beco e Carlos Paulo afirmou que mora ali desde que nasceu. Logo, conhece a área como ninguém. Continuou mostrando outros buracos. Um de tamanho que uma criança poderia cair facilmente. Vimos outro poste antigo de madeira com cupins, caminhos quebrados, pedras soltas. Até que chegamos na rua Jerosino, Casa 7, que fica entre a Alvorada e a Sabino, local que já havíamos feito uma matéria há alguns meses. 

O local não tem uma passagem segura. É quase um barranco. Chegamos na casa do Auxiliar de Serviços Gerais, Cristiano Paula, vizinho Carlos Paulo. Eles moram bem no meio do trajeto. A fachada da casa de Cristiano está rachada. Ao olhar embaixo do imóvel, dá pra ver que tudo está úmido, por causa de uma mina que fica próxima ao local, segundo ele. Também afirma que a Defesa Civil alegou que a casa não corre risco de queda. Foi na associação da Grota que levou lá “pessoas que cuidam da água e esgoto, de minas e que falaram a mesma coisa”. Também esteve na Associação da Fazendinha para resolver o problema. Nada feito.

“Tá tudo alagado aqui por debaixo, dá pra ver”. Depois, aponta pra uma pedra que caiu da fachada da casa. “Ela tava em cima da coluna aqui, ó. Ela pegava em cima da coluna. Então isso aqui era uma segurança também, essa pedra aqui pra essa casa. Aí eles falam que não têm risco. A casa toda está se deteriorando por baixo e não tem risco? Claro que tem. É só tirar foto e ver”, afirma Cristiano.

Cristiano mostra a parte da pedra que caiu da casa
(Foto: Josiane Santana / Voz das Comunidades)

Carlos Paulo complementa a fala do amigo. “Provavelmente ele fala que não vai ter risco agora, que não vai cair agora, mas com o tempo, a intenção é só piorar. O solo tá firme? Com água embaixo? Nunca vi isso. A não ser que seja bem aterrado.”

Isso tudo sem falar no caminho da rua, misturado com outras pedras soltas e terra,  que em dias de chuvas vira lama. Na matéria feita pelo Voz anteriormente, a filha de Carlos disse que o próprio pai e os vizinhos fazem o caminho com as próprias mãos desde que ela se entende por gente. Mas com as chuvas ele sempre cede. Não sabíamos que eram pai e filha. 

Carlos Paulo e Cristiano concluem dizendo que acham que o Voz das Comunidades pode ajudar, mesmo que só expondo a situação. “Vocês já vieram aqui três vezes em pouco tempo. Isso diz que não estão desistindo da gente”. E não desistir para eles já é uma demonstração de que não serão esquecidos.

Resposta da liderança local e das autoridades

A equipe do Voz das Comunidades entrou em contato com Marquinho Balão, presidente da Grota. Ele diz que já cansou de reclamar, pois o problema é antigo. “Eu já mandei mais de dez vezes pra prefeitura, a Geo-Rio, já pedi (a reparação) das encostas, já pedi pra Conservação…a gente pede, pede, pede e eles não ligam pra gente.” Depois, Marquinho diz que as portas da associação estão abertas pra conversar mais sobre.

Em contato com a Light, foi informado que seria trocado o poste até o dia 26 de julho. A informação ainda não foi confirmada até o momento da publicação da matéria. 

Já a Secretaria Municipal de Infraestrutura informou, em nota, que a Geo-Rio vai acionar a subprefeitura da localidade para fazer uma vistoria e saber se é competência do órgão o problema da rua Jerosino. 

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EDITORIAS

PERFIL

Rene Silva

Fundou o jornal Voz das Comunidades no Complexo do Alemão aos 11 anos de idade, um dos maiores veículos de comunicação das favelas cariocas. Trabalhou como roteirista em “Malhação Conectados” em 2011, na novela Salve Jorge em 2012, um dos brasileiros importantes no carregamento da tocha olímpica de Londres 2012, e em 2013 foi consultor do programa Esquenta. Palestrou em Harvard em 2013, contando a experiência de usar o twitter como plataforma de comunicação entre a favela e o poder público. Recebeu o Prêmio Mundial da Juventude, na Índia. Recentemente, foi nomeado como 1 dos 100 negros mais influentes do mundo, pelo trabalho desenvolvido no Brasil, Forbes under 30 e carioca do ano 2020. Diretor e captador de recursos da ONG.

 

 

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