“Favelada faz arte”, disse Kamila Camilo. Mulher preta e cria dos Tijolinhos, no Complexo da Maré, ela é também a artista que assina a exposição ‘FAVELADAS’, inaugurada na última quinta-feira (20), no Observatório da Maré, onde ficará durante três meses. Com curadoria de Jean Carlos Azuos e Rosilene Milotti, ambos também da Maré, a mostra fotográfica representa mulheres do território ‘mareense’ que são plurais e singulares em toda a sua complexidade favelada. Os registros capturam as bonitas silhuetas dos dias, as resistências, os cuidados, o acolhimento e diversos outros símbolos eternizados pelas lentes da fotógrafa.
“FAVELADAS é uma exposição que vem de dentro do meu coração. É um tema muito urgente para pautarmos esses dias, já que favelado é um termo usado de forma pejorativa em que muitas vezes somos julgados, criticados e abordados violentamente. Faveladas vem para quebrar o estereótipo de má educação. Favelada é aquela mulher que sonha, que deseja, que planeja, que levanta cedo independente da violência territorial. Sai no meio da bala, sai no meio do caveirão”, explica a artista.
Kamila reflete que quando diz que a mulher favelada faz arte, ela lembra de quando as pessoas falavam que não daria em nada. “Todo dia que eu ia nas ruas para fotografar, eu sabia que o sonho se tornaria realidade em algum momento”, disse ela, que ano passado assinou sua primeira exposição, chamada ‘Mulheres do Tijolinho’.
Uma das diferenças que gritam na arte de Kamila é o afeto com suas modelos. Ela destaca que questionou de uma delas se via na fotografia. “Me vejo, essa sou eu; feliz mesmo com todas as minha dificuldades”, respondeu a mulher à ela.
“Para mim, o que faz sentido é quem está sendo registrado se reconhecer“, finaliza.
Amana da Silva, um dos rostos de FAVELADAS
Amana da Silva, de 30 anos, é uma das faveladas que foi retratada pelas lentes de Kamila. Ela estava presente na inauguração com sua barriga de 7 meses, dois meses após o registro fotográfico, que se chama ‘Nascimento’. “Fico muito feliz em me ver na exposição. Essa foto foi tirada em um domingo. A Kamilla apareceu, disse que me fotografaria e eu respondi: para de graça! Ela disse que era sério, então fui tomar banho e voltei para a foto. Eu estava toda bagunçada, não tinha coragem de tirar foto antes”, observa a moradora da Nova Maré.
A curadoria por Jean e Rosilene
“A Kamila ama esse território, então a gente percebe pelas fotos um envolvimento, que não é só a partilha de uma imagem, mas sim a partilha de presença”, observa o curador Jean Carlos Azuos.
Ele ressalta que estar com a Kamila é sempre inquietador, no sentido de como ela se movimenta, já que a artista é uma pessoa que experimenta muito a rua e a exposição vinha contando a história dessas pessoas. “E precisávamos de uma outra curadoria mulher já que a exposição é sobre mulheres faveladas. Além de curador, eu sou crítico do trabalho da Kamila. Faveladas é um nome que vem da Rosi Milotti e a partir daí pensamos de que maneira a gente revira o estigma que traz essa palavra? Então a gente vai disputar essa palavra a partir de suas belezas. E que belezas são essas? São essas mulheres que aparecem bebendo sua cerveja, nas portas de suas casas, quase nos convidando para entrar pelas lentes. Então essa exposição é sobre esses encontros”, pontua.
A curadora Rosilene Milotti destaca: “falar de FAVELADAS é falar da gente. Então, em primeiro lugar assim, a gente está falando desse lugar, desse chão e somente de tentar mostrar um pouco desse desse universo de mulheres fortes, acolhedoras e que são sensíveis. Que trabalham e que usam esse lugar, esse espaço de muitas formas. Então, a favela é acolhimento, é um território de luta, de dor, mas não é desse lugar que estamos falando, mas sim do lugar de alegria, de um lugar de descanso. Falar de FAVELADAS é dos nossos múltiplos lugares”.
Endereço
Rua Teixeira Ribeiro, 535, Nova Holanda, na Maré, Zona Norte do Rio.