Destaque: dançarina de Passinho, no Complexo do Alemão. Foto: Vincent Rosenblatt / Agencia Olhares
Texto: Flavia Veloso
Há mais de cem anos antropólogos e sociólogos registram suas teorias sobre o que é cultura, alguns até sobre como devemos chamá-la. Essas teorias, que vêm desde o século retrasado, incluíam ou excluíam práticas e costumes comuns nas definições, mas os questionamentos eram sempre os mesmos: o que é cultura? O que devemos considerar para dizer o que é ou não cultura?
Por muito tempo a cultura foi um fenômeno ligado a elite e suas atividades eruditas, mas isso porque os estudos eram feitos pela elite e sobre ela mesma. Era considerado cultura sua música, suas artes plásticas, suas ciências e suas religiões. Com as mudanças que o mundo e as sociedades sofreram, os teóricos se viram obrigados a olhar para aqueles que eram invisíveis aos estudos e ao que era considerado cultura na época.
A ascensão das camadas antes despercebidas possibilitou que seus costumes, práticas, ideias, músicas, religiões, arte e vestimentas fossem colocados em evidência, finalmente. Ficou impossível chamar de cultura somente aquilo que os ricos e poderosos faziam: as classes médias e baixas também produziam, e isso tinha que ser observado, estudado e mostrado.
O samba é negro e é patrimônio. As rodas de samba, eventos de origem negra, persistem até os dias de hoje, simbolizando resistência cultural. Foto: Gabi Coelho
As definições de cultura foram atualizadas, porém continuam julgando mal as culturas que vêm do pobre, do negro, da favela. O samba foi muito marginalizado por ter nascido do talento dos negros e da periferia, hoje é patrimônio cultural imaterial do Brasil. O funk carioca – ritmo mais novo, mas não menos importante – também está dando seus passos, e já é reconhecido como patrimônio cultural carioca. E agradecemos a Marielle Franco pela autoria do Programa de Desenvolvimento Cultural do Funk Tradicional Carioca, Projeto de Lei que possibilitou essa conquista.
Ainda que essas e outras expressões artísticas não fossem reconhecidas legalmente como patrimônios, elas não podem ser consideradas menos culturais. Hoje, podemos dizer que tudo aquilo que nos representa e nos dá significado é cultura. E foi sempre assim com o Samba, o Funk, o Passinho, a moda da favela, o jeito de ser, de falar e o brilho nos olhos e no sorriso do favelado, dia após dia. Tudo isso – e muito mais – representa e dá significado à vida na periferia.