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Moradora do Alemão de 105 anos vive bem demais, sô!

Dona Sebastiana de Souza nasceu no dia oito de abril. Até aí, ok?! A surpresa vem quando descobrimos o ano: 1910

A pessoa mais velha do Conjunto de Favelas do Alemão se chama Sebastiana. São 105 anos de idade, sendo 60 deles como moradora da comunidade conhecida como Bulufa.

Apesar do local onde mora ser referência como área de risco, ela diz que a única coisa que tem a reclamar é em relação a acessibilidade. “Gosto muito daqui. O único problema é subir e descer as escadas. Às vezes meu bisneto não tem muita paciência de ficar esperando eu subir e me pega no colo. Já disse que não precisa!”, reclama.

Bem serena, ela diz que nunca teve medo de morar no Alemão e fala sobre a pacificação. “Não ficou bom, ficou mais ou menos. A gente aqui vê a polícia passando para lá e para cá. Mesmo não estando envolvidos com nada, a gente fica com medo, né? Pode acontecer uma troca de tiros a qualquer momento”.
Dona Sebastiana é uma das poucas pessoas ainda vivas que podem contar como foi o início da urbanização no Alemão e diz que nem sempre foi como vemos hoje. A idosa conta que assim que veio morar na comunidade, não existia nem a metade das casas que hoje fazem parte de Conjunto de Favelas do Alemão. A área era coberta de mato, como uma fazenda.  “Quando vim para cá, não existia bandido nem polícia. Era tudo mato e tinha pouquíssimas casas”, diz. Quando chegou no Alemão com o marido e os filhos, a família ganhou um terreno e construiu a casa onde vivem até hoje.

Dona Sebastiana de Souza de 105 anos, a pessoa mais velha do Conjunto de Favelas do Alemão. - Foto: Betinho Casas Novas
Dona Sebastiana de Souza de 105 anos, a pessoa mais velha do Conjunto de Favelas do Alemão. – Foto: Betinho Casas Novas

Mãe de oito filhos, dona Sebastiana é avó, bisavó e tataravó. Questionada sobre o tamanho da família, a idosa diz que são muitas pessoas e nem faz mais a conta. Cheia de orgulho e com a voz segura, afirma que criou todos os filhos muito bem e dizer isso, é uma das vitórias que coleciona na vida. Dos oito, apenas três ainda estão vivos. Emocionada, ela esclarece que são coisas que acontecem quando se tem uma vida longa, mas é muito doloroso e não faz parte da ordem natural da vida. “É uma dor muito grande sobreviver aos meus filhos.”

Sorte de quem tem uma mãe que passa dos 100 anos. É o caso de  Zé Carlos. O filho mais novo de Dona Sebastiana mora com o a mãe, a esposa e a filha. Os outros dois filhos de dona Sebastiana também moram no Alemão, sendo um deles sua vizinha, e o outro, morador da Nova Brasília. Por conta da locomoção, não tem como estar sempre presente, mas isso não impede as cobranças e diz que procura sempre participar na educação dos netos e bisnetos.

“Ela fez uma orelha de porco e botou no meu prato, acho que era no feijão. Tento esquecer até hoje! Ficou atrás de mim o dia todo me obrigando a comer aquilo! Eu dizendo que não queria e ela me obrigando!”, conta o bisneto. Ao relembrar a história, dona Sebastiana dá uma gargalhada e diz que o bisneto não foi muito obediente naquele dia.

Mulher de um único homem, o marido de dona Sebastiana faleceu pouco depois do nascimento de Zé Carlos. “Minha avó teve oito filhos e ainda tem coragem de dizer para a gente que nunca beijou na boca!”, brinca a neta, Thais Lima Machado, de 19 anos.

Diabetes, hipertensão ou qualquer outra doença não fazem parte da vida de dona Sebastiana. A idosa esbanja saúde, apesar de confessar que fumou cigarro durante muitos anos. “Fumava desde pequena, quando meu pai era vivo. Fazia cigarro (de palha) para ele e fumávamos juntos. Mas vivi bem, graças a Deus. Não tenho o que queixar do meu cigarrinho não!” Dona Sebastiana largou o vício quando entrou para a igreja que frequenta, ao lado de sua casa.

A idosa é muito independente, gosta de manter a casa sempre bem arrumada e apesar da aparência frágil, ainda faz comida. “Parei de cozinhar nos últimos meses porque caí e quebrei o braço, agora ninguém deixa mais eu mexer nas minhas panelas”, queixa-se.

Mãe de oito filhos, dona Sebastiana é avó, bisavó e tataravó. - Foto: Betinho Casas Novas
Mãe de oito filhos, dona Sebastiana é avó, bisavó e tataravó. – Foto: Betinho Casas Novas

Seu passatempo preferido é assistir as novelas e conversar com os vizinhos. “Vejo novela e adoro dar uma caminhada aqui pelo quintal.” Ano passado, dona Sebastiana saiu do Alemão para visitar parentes em Bom Jesus do Itabapuana, no norte do estado. A idosa diz que sente muita falta do mato, dos animais e da tranquilidade da roça.

Cristian, bisneto de Dona Sebastiana conta que a bisavó é muito corajosa. “Fomos dar um passeio de teleférico para conhecer a comunidade de cima. Quando chegou na entrada da gôndula, me deu um medo danado. Nisso, ela começou a me empurrar, mandou eu deixar de ser frouxo!”.

A recuperação da velhinha chega a ser surpreendente e, ao contar sobre um acidente doméstico, ela ri e diz que foi culpa da banana. “Fui pegar a banana que estava em cima da geladeira, quando consegui pegar uma eu caí. Meu filho Zé Carlos estava na sala e gritei ele. Eu tinha quebrado o braço.” Apesar dos médicos terem dito que dona Sebastiana iria perder o movimento dos braços, em três meses já estava curada e fez questão de mexer de um lado para o outro e pedir para todos os presentes tocarem para mostrar que não estava sentindo nenhuma dor.

Sobre sonhos, Dona Sebastiana diz que teve tempo suficiente para realizar todos.  “O fato de eu ter 105 anos e ser feliz é um sonho para mim. Não lembro de muitas coisas, mas tudo que lembro eu falo. Tenho uma vida muito feliz”.

Questionada sobre qual é o segredo para viver 105 anos, ela abre um sorrisão. “Case cedo, tenha muitos filhos e seja feliz. Eu vivo bem, sou feliz e continuo olhando para a frente”.

NOTA: Dona Sebastiana faleceu na manhã quinta- feira (25/02) em casa.

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PERFIL

Rene Silva

Fundou o jornal Voz das Comunidades no Complexo do Alemão aos 11 anos de idade, um dos maiores veículos de comunicação das favelas cariocas. Trabalhou como roteirista em “Malhação Conectados” em 2011, na novela Salve Jorge em 2012, um dos brasileiros importantes no carregamento da tocha olímpica de Londres 2012, e em 2013 foi consultor do programa Esquenta. Palestrou em Harvard em 2013, contando a experiência de usar o twitter como plataforma de comunicação entre a favela e o poder público. Recebeu o Prêmio Mundial da Juventude, na Índia. Recentemente, foi nomeado como 1 dos 100 negros mais influentes do mundo, pelo trabalho desenvolvido no Brasil, Forbes under 30 e carioca do ano 2020. Diretor e captador de recursos da ONG.

 

 

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