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“Eu não vou deitar para a vida”; conheça Bruna Soares, modelo do Morro do Adeus que desfilou na São Paulo Fashion Week

Bruna conta estar vivendo um sonho de infância, está feliz com a sua conquista e sonha em desfilar em Paris e Milão
Foto: SPFW / Divulgação

Bruna Soares, 28 anos, sempre teve vontade de ser modelo. Durante a infância, seu pai a incentivava tirando fotos amadoras, mesmo assim, era um sonho distante. Ela ficava admirada, olhando as modelos lindas passando na televisão, e se encantava com todo o glamour da profissão. A intimidade com as câmeras tornava essa profissão uma possibilidade real para ela.

Com a chegada da adolescência, entrar no mundo da moda era um sonho distante; os books eram muito caros e o acesso era bem difícil, ela precisou começar a trabalhar em outras áreas. Bruna sempre manteve a paixão pela moda por perto, por isso sempre pesquisava por ações e iniciativas sobre moda perto de onde morava, mas, infelizmente, quase nunca tinha algo. Até que um dia o Voz das Comunidades anunciou no Morro do Adeus o “Foto Clube Alemão”. Ela explica o interesse pelo curso: “Eu sempre gostei das câmeras, sempre tive essa intimidade, eu acreditava que se eu pudesse entender o olhar do fotógrafo, então eu poderia também entender como o fotógrafo me via como modelo”.

Com o curso, a modelo conta que chegou a fazer algumas fotos em casa com o que aprendeu, junto a um amigo. As fotos ficaram boas, entretanto, ainda eram amadoras e não eram suficientes para iniciar a carreira de modelo. Depois de um tempo, “ouvi falar do Favela é Fashion, um curso de moda que teria no Complexo do Alemão, (…) não sabia como me vestir, não sabia, era totalmente leiga, só tinha muita vontade de fazer acontecer”, Bruna foi selecionada e iniciou o novo curso.

Favela é Fashion é um projeto idealizado por Juliana Henrik, um curso de moda para jovens que não conseguem arcar com os custos de um curso de moda. Bruna conta que Juliana sempre a incentivou muito, as rodas de conversa a motivaram muito. Assim que ela entrou nesse projeto, teve seu primeiro desfile no Eco Periferia, no Morro da Baiana, “eu consigo lembrar como se fosse ontem, porque é uma sensação muito única”, relata Bruna.

Em seguida, ocorreu o primeiro desfile do Favela é Fashion, Bruna abriu a passarela junto com uma colega, segurando o cartaz da organização, ela conta que  “Começou o desfile e foi incrível, meu pai foi me ver, eu não tinha muito apoio da família na época, aquilo ali foi especial para mim”. Depois desse desfile, foi um momento para aprimorar as poses, passarela e carões, Bruna destaca o suporte de Juliana nesse momento. A modelo chegou a ser capa do Jornal Extra durante a Copa do Brasil.

“Eu tô por mim, pelo Favela é Fashion, eu não deixei esse sonho morrer. Eu sou muito grata à Juliana. Se não fosse por ela esse sonho teria morrido”.

Apesar de alguns projetos, Bruna precisou trabalhar em outras áreas para se manter. Em 2020, recebeu uma proposta para modelar fora do Brasil. Trabalhou muito para tirar o passaporte e comprar itens para a viagem, como mala e roupas de frio, mas com o início da pandemia, a viagem foi cancelada: “foi horrível pra minha carreira, porque fiquei totalmente desmotivada, meu mundo caiu”. Ela explica que, além do cancelamento da viagem, perdeu o emprego, já que o comércio precisou ser fechado, e ficou desempregada por um período. Bruna participou de alguns projetos pequenos como modelo, que conseguiu por conta própria através do Instagram. Nesse período, também conseguiu um trabalho em um restaurante.

Enquanto trabalhava no restaurante, a modelo juntou algumas fotos polaroid que tinha feito e decidiu que iria enviar para algumas agências de modelo em São Paulo. Depois de um ano, ela foi chamada por uma dessas empresas, mas precisava esperar a pandemia acabar. Mesmo recebendo muito pouco, ela aproveitou esse período para guardar um pouco de dinheiro. Através de uma amiga, conseguiu transporte e hospedagem em São Paulo. Conheceu a agência assim que chegou à cidade, ela iria embora no dia seguinte, mas não conseguiu comprar a passagem e precisou ficar mais alguns dias.

No seu terceiro dia em São Paulo, a agência entrou em contato avisando que havia uma campanha de Natal e que o perfil dela se encaixava. Queriam saber a disponibilidade dela. A modelo conta sua reação: “Meu Deus, não acredito, eu surtei”. Esta primeira campanha foi finalizada com sucesso, Bruna recebeu conforme o combinado e ficou muito feliz, porém, tratava-se de uma agência clandestina. Ela fez mais um trabalho, o cachê era bem alto, mas ela não recebeu e acabou fazendo dívidas na cidade da garoa.

Com a ajuda de sua mãe, ela voltou para o Rio de Janeiro e ficou desolada: “Eu ficava pensando ‘poxa, meu sonho é tão grande, por que as pessoas fizeram isso comigo’, mas hoje eu entendo que não foi só comigo”, conta a modelo. Por conta das dívidas, chegou a abandonar a moda. Nessa fase, ela trabalhava como trancista e fazia alguns bicos em restaurantes e lanchonetes, mas a todo momento pensava: “Eu sou totalmente apaixonada por gastronomia, mas o meu amor pela arte da moda é muito maior”. Até que apareceu uma nova oportunidade, com uma marca grande, em São Paulo. Nesse trabalho, ela teve contato com algumas modelos grandes, internacionais, e isso a fez acreditar ainda mais em si mesma: “Eu sou modelo, eu sou modelo mesmo, é realmente isso que eu quero para a minha vida, meu sonho voltou a viver”.

“Eu sou apaixonada pela moda, apaixonada pela arte”.

Foto: Casa dos Criadores / Divulgação

Bruna conheceu uma agência no Rio de Janeiro que deu a ela a oportunidade de desfilar no São Paulo Fashion Week (SPFW): “Sempre foi meu sonho, o sonho de qualquer modelo de passarela”. Essa agência investiu nela, deu um book para ela: “Quando uma agência acredita em você, eles investem em você”, explica a modelo. No primeiro contato com o SPFW, ela foi selecionada por duas marcas, mas em cima da hora foi avisada de que não iria mais participar. Bruna conta que não se abalou com o acontecimento: “Não me deixei abalar, nem um pouquinho, até porque o São Paulo Fashion Week acontece duas vezes no ano, então se não fosse na primeira (edição), seria na segunda sim!”

Neste mesmo ano, Bruna trabalhou com uma marca baiana pela Casa dos Criadores, foi a primeira vez dela em uma passarela de São Paulo. Na segunda edição daquele do SPFW ano, ela desfilou por uma marca de alta costura. A modelo descreve sua reação: “Eu chorei muito, agradeci muito a Deus”, ela acredita que a Casa dos Criadores foi uma forma de acessar a passarela mais almejada da América Latina.

Ela se mudou novamente para São Paulo, inicialmente morou em uma casa de modelos e, posteriormente, com uma amiga. Surgiu a terceira oportunidade no SPFW, em que desfilou por mais uma marca. No último desfile, a modelo conseguiu subir na passarela por três marcas na mesma edição: “Foi incrível viver essa experiência, todas as vezes foram incríveis. Dessa vez, consegui viver mais intensamente o SPFW, aquela loucura de backstage (…) essa adrenalina é boa demais”, conta Bruna.

Bruna está muito feliz com suas conquistas e com o andamento da sua carreira, mas não quer parar por aí: “Tem muitas coisas que eu quero fazer ainda, como Paris Fashion Week, Milão Fashion Week, e tenho certeza de que ainda vou chegar lá”. Ela também falou sobre pertencimento: “É legal ver que as pessoas estão nos dando oportunidade, estão vendo que somos potentes, sabe? Eu estou muito feliz com essas conquistas. Eu sei que não estou aqui só por mim, tem muitas meninas que se inspiram em mim e pessoas reais que vêm falar comigo às vezes na rua, e isso dá um gás para poder continuar, meninas de dentro do Complexo do Alemão, do Morro do Adeus, que falam comigo: ‘Nossa, como você conseguiu?’ E eu falo sem temor nenhum, porque dentro das dificuldades que tive, nunca desisti, e hoje estou na maior passarela da América Latina”.

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EDITORIAS

PERFIL

Rene Silva

Fundou o jornal Voz das Comunidades no Complexo do Alemão aos 11 anos de idade, um dos maiores veículos de comunicação das favelas cariocas. Trabalhou como roteirista em “Malhação Conectados” em 2011, na novela Salve Jorge em 2012, um dos brasileiros importantes no carregamento da tocha olímpica de Londres 2012, e em 2013 foi consultor do programa Esquenta. Palestrou em Harvard em 2013, contando a experiência de usar o twitter como plataforma de comunicação entre a favela e o poder público. Recebeu o Prêmio Mundial da Juventude, na Índia. Recentemente, foi nomeado como 1 dos 100 negros mais influentes do mundo, pelo trabalho desenvolvido no Brasil, Forbes under 30 e carioca do ano 2020. Diretor e captador de recursos da ONG.

 

 

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